21 janeiro 2010

Um raio-x da CTNBio




Por: Verena Glass - Revista Sem-Terra, Número: 53, Nov/Dez de 2009


Entre o final de 2009 e o início de 2010, é possível que o Brasil conquiste mais um (triste) título em termos de inovação: será o primeiro país do mundo a liberar o plantio comercial de uma variedade de arroz transgênico — o LL62 da Bayer S/A. Caso venha a ser aprovado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o arroz da Bayer será o 19º Organismo Geneticamente Modificado (OGM) a ser cultivado comercialmente no país — entre 2005 e final de 2009, a CTNBio dará carta branca ao plantio comercial de duas variedades de soja, dez variedades de milho e seis variedades de algodão —, e manterá inalterado o fluxo das aprovações consecutivas de todos os OGMs apresentados à Comissão pelas multinacionais de biotecnologia.

A já manifesta intenção da CTNBio de permitir o cultivo de arroz transgênico não mereceria especial destaque neste cenário, não fosse uma peculiaridade: uma oposição generalizada à liberação reuniu no mesmo palanque, pela primeira vez, ambientalistas, pesquisadores pró-transgênicos e grandes produtores. Ou seja, além dos já tradicionais críticos aos OGMs, como Organizações Não-Governamentais (ONGs) ambientalistas e dos direitos dos consumidores, se uniram contra a aprovação entidades como Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa, principal agência pública de pesquisa e apoio à transgenia no país), Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul), Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) e Federação das Associações dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz).


Para a Embrapa e os rizicultores gaúchos, a maior ameaça do arroz da Bayer, cuja transgenia consiste na tolerância ao herbicida glufosinato de amônio, é a transferência da mutação genética ao arroz vermelho, considerado a principal planta invasora da cultura do arroz irrigado. Com a contaminação, a variedade, que já causa prejuízos à produtividade e à qualidade do arroz em áreas altamente infestadas, se tornará resistente ao controle químico. Ou seja, de acordo com a Embrapa,o arroz transgênico, se liberado, será uma ameaça à segurança alimentar do Brasil, podendo levar ainda a uma contaminação generalizada das variedades de arroz silvestre no país.

Ora, se pesquisadores (baseados em avaliações científicas), produtores (preocupados com questões econômicas), e consumidores (atentos ao que comem — a ONG Greenpeace recolheu mais de 20 mil assinaturas para uma petição contra a liberação) se opõem ao plantio de arroz geneticamente modificado, a pergunta que se coloca é: a que interesses a CTNBio pretende atender com a sua aprovação? (pequena observação: seria leviano afirmar que o desempenho das vendas de grandes multinacionais de biotecnologia tenha relação com as liberações de OGMs no Brasil — na sua maioria, variedades resistentes a produtos destas empresas. Mas fato é que, segundo a revista Exame, a Monsanto, que teve nove cultivos transgênicos aprovados, arrecadou em vendas US$ 783,9 milhões em 2006, US$ 899,2 milhões em 2007 e US$ 954,8 milhões em 2008).

A serviço de quem?

De acordo com a Lei de Biossegurança, a CTNBio, criada em 2005, tem como função “prestar apoio técnico consultivo e assessoramento ao governo federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa aos OGMs, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGM e derivado”.

Para a aprovação comercial de transgênicos, são necessários 14 votos favoráveis (a Comissão tem 27 membros, e uma sessão deve ter um quorum mínimo de 14 conselheiros). Responsáveis pela análise técnica e científica de pedidos de liberação de OGMs, os conselheiros da CTNBio têm de apresentar, obrigatoriamente, título de doutor em suas respectivas áreas, sendo que a grande maioria é ligada a universidades, como a USP, UFPE, UFRJ, UFMG, Unicamp, UNB,UFV, UFRGS, UFES, PUC-RS, UFAL, Unifesp e UEL. Já a Embrapa “contribui”, no momento, com cinco membros. De acordo com as entidades da sociedade civil que têm acompanhado o trabalho da CTNBio, como as ONGs Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Terra de Direitos e Greenpeace, muitas das análises técnicas nos processos de liberação de OGMs careceram de rigor científico e de adoção do Princípio da Precaução, previsto no Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, além de pesquisas em solo brasileiro que comprovem a segurança do plantio comercial das variedades aprovadas. Por outro lado, afirmam as ONGs, uma característica marcante da maioria dos conselheiros da Comissão tem sido um posicionamento abertamente favorável às tecnologias transgênicas. Em 2003, oito dos atuais membros da CTNBio (Alexandre Lima Nepomuceno, Edilson Paiva, Flavio Finardi Filho, Francisco José Lima Aragão, Kenny Bonfim, Luiz Antonio Barreto de Castro, Maria Lucia Carneiro Vieira, e Paulo Augusto Vianna Barroso) subscreveram a “Carta Aberta dos Cientistas Brasileiros”, em que afirmam que “o Brasil não pode abrir mão da tecnologia de organismos transgênicos”, uma vez que “é imprescindível para a sustentabilidade e competitividade do agronegócio brasileiro e agricultura familiar” e “ acarretará em benefícios sociais e econômicos para o país”.

Entre os atuais conselheiros, vários também têm ou tiveram, pessoalmente, alguma relação com as empresas de biotecnologia (ou com entidades financiadas pelas multinacionais, como o Conselho de Informações sobre Biotecnologia/ CIB e a Associação Nacional de Biossegurança/Anbio, entidades de lobby pró-transgênicos que têm entre seus associados Basf, Bayer, Cargill Agrícola, Dow Agrosciences, DuPont do Brasil, Monsanto do Brasil, Pioneer Sementes Ltda, e Syngenta Seeds, entre outros).

Contaminação

No tocante à observância de critérios científicos adequados nos processos de liberação de OGMS ou no estabelecimento de normas de segurança para prevenir a contaminação de lavouras não transgênica por variedades geneticamente modificadas, a CTNBio tem sido repetidamente questionada por diversas instituições. Em 2007, as liberações dos milhos transgênicos Liberty Link, da Bayer, e MON 810, da Monsanto (proibido na França, Áustria, Grécia, Luxemburgo, Hungria, Itália, Polônia e Alemanha), foram questionadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que apontaram erros nos pareceres técnicos que fundamentaram as aprovações.

Para a Anvisa, entre as irregularidades no processo da Bayer constam a insuficiência ou inexistência de estudos toxicológicos ou de alergenicidade para comprovar a segurança do milho transgênico para o consumo humano. Já segundo o Ibama, a CTNBio ignorou a inexistência de estudo prévio de impacto ambiental realizado nas condições edafoclimáticas do país e a ausência de avaliação de risco, caso a caso, entre outros problemas. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, também não constaram do processo “estudos ou literatura que comprovem a ausência de danos ambientais, razão pela qual a decisão técnica não poderia ter sido emitida”.

Os recursos contra as liberações foram apresentados ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), que optou por ignorar as irregularidades. Pouco tempo após estas denúncias,uma ação civil pública de entidades da sociedade civil levou a Justiça a exigir da CTNBio a criação de regras de coexistência por meio de uma resolução normativa que, em teoria, protegeria as lavouras não transgênicas de milho da contaminação dos OGMs. Ou seja, foram estabelecidas distâncias mínimas de isolamento entre cultivos transgênicos e não transgênicos que, para garantir total segurança contra a contaminação, seriam “igual ou superior a 100 metros ou, alternativamente, 20 metros, desde que acrescida de bordadura com, no mínimo, 10 fileiras de plantas de milho convencional de porte e ciclo vegetativo similar ao milho geneticamente modificado”.

Vários casos de contaminação de lavouras não transgênicas por OGMs foram denunciados ao longo dos últimos três anos por ONGs e pela imprensa, mas em meados de 2009, a conclusão de um monitoramento do fluxo gênico do milho transgênico no Paraná, realizado pelo Departamento de Fiscalização e Defesa Agropecuária do Estado para verificar a eficácia da Resolução Normativa da CTNBio, comprovou oficialmente que as normas de segurança são ineficazes, uma vez que foi detectada contaminação em todas as áreas monitoradas. “Os resultados preliminares indicam que, mantida a atual norma, é impossível assegurar a coexistência segura entre os cultivos transgênicos, tradicionais e orgânicos, já que,até o presente momento, todas as áreas monitoradas apontaram para polinização por pólem transgênico à distância muito superior à regulamentada”, afirma documento da Secretaria de Agricultura do Estado.

Diante destes dados, no final de outubro várias organizações da sociedade civil propuseram uma ação civil pública que pede a suspensão das liberações comerciais de milho transgênico até que seja editada uma norma coerente com o princípio da precaução. O processo tramita na Vara Federal Ambiental de Curitiba e aguarda decisão do juiz. Repetindo erros Sobre o tema, o representante do Ministério da Ciência e Tecnologia, Luiz Antônio Barreto de Castro, utilizando-se de uma lógica pouco ortodoxa, acabou reconhecendo a ocorrência de contaminação, mas ponderou que “as regras [de segurança da CTNBio] foram estabelecidas levando em conta que nem sempre a contaminação resulta em prejuízo para os agricultores que cultivam variedades ditas crioulas”; ou seja, “mesmo que tal [a contaminação] ocorra, será vantajosos para a agricultura familiar”. Contrariando a tese de Castro, prejuízos em função da contaminação de lavouras por OGMs são recorrentes tanto no Brasil quanto em outros países do mundo.

Em 2004, por exemplo, a empresa Eco Brazil Organics Ltda, no Paraná, cuja lavoura de soja orgânica foi contaminada, paralisou suas atividades e teve um prejuízo de US$ 3 milhões. Em 2006, lavouras experimentais do arroz transgênico da Bayer nos EUA contaminaram plantios comerciais e causaram prejuízos de cerca de US$ 1 bilhão em todo o mundo, de acordo com estudo divulgado pelo Greenpeace Internacional.

Por fim, a benevolência da CTNBio com a transgenia já apresenta seus efeitos colaterais. A despeito do argumento inicial das empresas de biotecnologia de que os OGMs diminuiriam o uso de agrotóxicos, a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) aponta um aumento significativo do consumo de herbicida na soja, por exemplo. De acordo com o órgão, foram aplicadas 129,6 mil toneladas em 2004, volume que subiu para 192 mil toneladas em 2008 (aumento de 67,5%. Aqui, é importante lembrar que em 2009 o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos, com cerca de 673.890 toneladas/ano). Um levantamento do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz, aponta que, apesar da altíssima subnotificação, entre agosto de 2007 e julho de 2008, 7,47% dos casos de intoxicação com agrotóxicos registrados se referem ao glifosato — no período, foram registrados mais de 6,3 mil casos de intoxicação e, em 2007, notificadas 162 mortes causadas por agrotóxicos em geral.

Ligações perigosas: com quem se relacionam os conselheiros da CTNBio

Um rápido cruzamento de informações (obtidas na Internet) sobre as principais proponentes de novas variedades transgênicas —— as multinacionais Monsanto, Bayer, Syngenta, Dow AgroSciences, Basf e outras do setor —— com conselheiros e instituições que têm representantes na CTNBio, resultou em dados preocupantes, possivelmente passiveis de caracterização de conflito de interesses na CTNBio. Quanto às instituições, tomamos como exemplo Embrapa e USP, que juntas têm ao menos 14 conselheiros na Comissão:

Embrapa

A empresa mantém uma parceria com a Monsanto desde 1997 (com vigência até 2012) para o desenvolvimento de tecnologias para soja transgênica. No início de novembro de 2009, a Monsanto repassou mais R$ 8,3 milhões para a Embrapa a título de pagamento de royalties, para desenvolvimento de oito projetos de biotecnologia.
• A Syngenta, que em 2008 “apresentou interesse em desenvolver com a Embrapa cultivares melhoradas de milho para mercados específicos e tecnologias inovadoras relativas ao cultivo de cana de açúcar”, copatrocinou o desenvolvimento da variedade de arroz BRS Talento, da Embrapa Arroz e Feijão, e codesenvolveu, com a Embrapa Milho e Sorgo, a avaliação da eficiência de fungicidas no controle da cercosporiose (cercospora zeae-maydis) na cultura do milho.
• Em 2007, a Embrapa fechou um acordo de cooperação com a Basf para desenvolvimento de uma nova variedade de soja transgênica a partir do gene AHAS (ácido hidroxiacético sintase, que confere tolerância aos herbicidas do grupo químico das imidazolinonas).

USP

Em 2008, a Monsanto fechou um acordo com a Fundação de Apoio à USP para oferecer bolsas de pesquisa científica a alunos do 1º e do 2º anos do Ensino Médio da rede estadual, no valor de R$ 150 e com duração de um ano. O acordo foi duramente criticado pela Associação de Docentes da USP.
• Em 2008, a Syngenta lançou um bioativador que pode contribuir para o crescimento da produtividade da cana, o Actara, desenvolvido em parceria com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), entre outros.
• A Bayer patrocinou a modernização do prédio da Faculdade de Medicina da USP, tombado pelo Condephaat.
• A Agência USP de Inovação é parceira do Programa Bayer Jovens Embaixadores Ambientais,do Grupo Bayer e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
• A USP, por meio da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, é parceira do Prêmio Bayer Jovem Farmacêutico.
• A Basf e a USP, por intermédio do seu Instituto de Química, são parceiras do Projeto Reação - educando para vida.
• A Basf patrocinou a restauração de fachada de prédios Esalq/USP em março de 2002.
• A USP participou das pesquisas de desenvolvimento do Standak® Top, fungicida da Basf.

Quanto aos conselheiros, resultou que:

Maria Lucia Zaidan Dagli, especialista na área animal (USP). Recebeu o premio I PIC -Prêmio Impacto Científico da FMVZ - USP, 2005-2006, patrocinado por Bayer Saúde Animal e Novartis Saúde Animal Ltda, entre outros.

Giancarlo Pasquali, especialista na área de meio ambiente (UFRGS) Representa a URGS na Rede Genolyptus, constituída por universidades e empresas como Aracruz Celulose S.A., Klabin, Veracel Celulose S.A., Votorantim Celulose e Papel S.A., entre outros (a CTNBio já liberou 12 experimentos de campo com variedades transgênicas de eucalipto). Foi consultor técnico do Guia do Eucalipto, do CIB (que tem entre seus sócios a Monsanto, Du Pont, Cargill, Pionner Sementes Ltda, e Bayer Seeds Ltda), sobre eucalipto geneticamente modificado.

Luiz Antônio Barreto de Castro, representante do MiCT Foi um dos coordenadores da
equipe que celebrou o Contrato de Cooperação Técnica para desenvolvimento de cultivares de soja tolerante ao herbicida Roundup, em 1997, cujas instituições promotoras/financiadoras foram Embrapa e Monsanto. Em 2002, foi reeleito membro do conselhocientífico da Anbio, que tem entre seus sócios a Monsanto, Du Pont, Cargill, Pionner Sementes Ltda, e Bayer Seeds Ltda.

Francisco José Lima Aragão, especialista na área vegetal (Embrapa) Lidera os projetos Expressão de genes envolvidos com a resposta ao estresse hídrico em plantas transgênicas de feijoeiro” e “Desenvolvimento de estratégia baseada em RNAi para geração de mamoeiro resistente a múltiplas viroses”, que estão no âmbito da parceria Embrapa-Monsanto. Entre 1998 e 2000, integrou a pesquisa “Obtenção de feijoeiro resistente a glufosinato de amônio”, co-financiada pela Bayer do Brasil. Entre 1996 e 2002, coordenou a pesquisa “Obtenção de soja resistente a herbicidas da classe das imidazolinonas”, co-financiada pela Basf.

Aluízio Borém, especialista na área vegetal (UFV) É membro (diretor de comunicação)
da ONG Associação Brasileira deTecnologia, Meio Ambiente e Agronegócios (Pró-Terra), que recebeu US$ 161,790 mil da Fundação Monsanto em 2005. Recebeu apoio pra escrever o livro "Biotecnologia e Meio Ambiente" da International Life Sciences Institute (ILSI), que tem em seu quadro de associados ADM - Archer Daniel Midland Co., BASF S/A, Bayer CropScience Ltda., Bunge Alimentos S/A, Cargill Agrícola S/A, Dow AgroSciences Industrial Ltda., Monsanto, Novartis e Syngenta, entre outros. É co-autor do livro “Savanas, desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade, agronegócio e recursos naturais”, co-patrocinado pela Syngenta.

Maria Lucia Carneiro Vieira, especialista na área vegetal (USP). Membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB, que tem entre seus sócios a Monsanto, Du Pont, Cargill, Pionner Sementes Ltda, e Bayer Seeds Ltda) de 2003 a 2005.

Paulo Augusto Vianna Barroso, especialista na área vegetal (Embrapa) Pesquisador do projeto da Embrapa Recursos Genéticos de desenvolvimento de duas variedades de algodão transgênico, que negociou as sementes com a Syngenta. Também integra pesquisa que propõe “a transferência dos transgene da empresa Monsanto para os genótipos de algodoeiro elite da Embrapa e a adequação do sistema de produção aos novos cultivares RR”.

João Lucio de Azevedo, especialista na área vegetal (USP) O pesquisador é responsáveldocente pelo projeto de pesquisa sobre Microrganismos Endofíticos: Genética e Biologia Molecular,financiado pela empresa Monsanto. Prestou consultoria técnica à Monsanto em 1999.

Alexandre Lima Nepomuceno, especialista em biotecnologia (UEL) É co-autor do livro “Savanas,desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade, agronegócio e recursos naturais”, copatrocinado pela Syngenta. É membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB, que tem entre seus sócios a Monsanto, Du Pont, Cargill, Pionner Sementes Ltda, e Bayer Seeds Ltda).

Flavio Finardi Filho, especialista em biotecnologia (USP) Em 2005, recebeu homenagem à qualidade, excelência científica e originalidade da Associação Nacional de Biossegurança/ANBio,entidade que tem entre seus sócios a Monsanto, Bayer e Syngenta. Fez o parecer técnico sobre segurança alimentar do Evento de Transformação LLRice62 em 2002, com financiamento da Aventis Seeds Brasil.

Fonte: Revista Sem-Terra

23 dezembro 2009

UNICEF confirma: Cuba tem 0% de desnutrição infantil




Por: Cira Rodríguez César - Prensa Latina

Segundo a ONU, Cuba é o único país da América Latina e Caribe que eliminou a desnutrição infantil severa, graças aos esforços do governo para melhorar a alimentação da população, especialmente dos grupos mais vulneráveis. As duras realidades do mundo mostram que 852 milhões de pessoas padecem de fome e que 53 milhões delas vivem na América Latina. Só no México há 5,2 milhões de pessoas desnutridas. No Haiti, são 3,8 milhões, enquanto que, em todo o planeta, mais de cinco milhões de crianças morrem de fome todos os anos.

A existência de cerca de 146 milhões de crianças menores de cinco anos abaixo do peso ideal no mundo em desenvolvimento contrasta com a realidade das crianças cubanas que estão livres desta enfermidade social. Essas preocupantes cifras apareceram em um recente relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), intitulado “Progresso para a Infância, um balanço sobre a nutrição”, divulgado na sede da ONU. Segundo o documento, os índices de crianças abaixo do peso são de 28% na África Subsaariana, 17% no Oriente Médio e África do Norte, 15% na Ásia Oriental e Pacífico, e 7% na América Latina e Caribe. Depois vem a Europa Central e do Leste, com 5%, e outros países em desenvolvimento, com 27%.

Cuba é o único país da América Latina e Caribe que eliminou a desnutrição infantil severa, graças aos esforços do governo para melhorar a alimentação da população, especialmente dos grupos mais vulneráveis. As duras realidades do mundo mostram que 852 milhões de pessoas padecem de fome e que 53 milhões delas vivem na América Latina. Só no México há 5,2 milhões de pessoas desnutridas. No Haiti, são 3,8 milhões, enquanto que, em todo o planeta, mais de cinco milhões de crianças morrem de fome todos os anos.

Segundo estimativas da ONU, não seria muito custoso garantir saúde e nutrição básica para todos os habitantes dos países em desenvolvimento. Para alcançar essa meta, bastariam 13 bilhões de dólares adicionais ao que se destina atualmente, uma cifra que nunca foi atingida e que é exígua se comparada com os bilhões de dólares destinados anualmente à publicidade comercial, os 400 bilhões gastos em medicamentos tranqüilizantes ou mesmo os 8 bilhões de dólares que são gastos em cosméticos nos Estados Unidos.

Para satisfação de Cuba, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) também reconheceu que esta é a nação com os maiores avanços na luta contra a desnutrição na América Latina. O Estado cubano garante uma cesta básica alimentar que permite a alimentação de sua população ao menos em dois níveis básicos, mediante uma rede de distribuição de produtos alimentícios. Além disso, há instrumentos econômicos em outros mercados e serviços locais para melhorar a alimentação do povo cubano e atenuar o déficit alimentar. Especialmente, há uma constante vigilância sobre o sustento das crianças e adolescentes. A nutrição começa com a promoção de uma melhor e mais natural forma de alimentação.

Desde os primeiros dias de nascimento, os incalculáveis benefícios do aleitamento materno justificam todos os esforços realizados em Cuba em favor da saúde e do desenvolvimento de sua infância. Isso tem permitido elevar os índices de recém nascidos que recebem aleitamento materno até o quarto mês de vida e que seguem consumindo esse leite, complementado com outros alimentos, até os seis meses de idade. Atualmente, 99% dos recém nascidos saem das maternidades com aleitamento materno exclusivo, índice superior à meta proposta, que é de 95%, segundo dados oficiais, nos quais se indica que todas as províncias do país cumprem essa meta.

Apesar das difíceis condições econômicas enfrentadas pela ilha, o governo cuida da alimentação e da nutrição das crianças mediante a entrega diária de um litro de leite a todas as crianças até sete anos de idade. Soma-se a isso a entrega de outros alimentos que, dependendo das disponibilidades econômicas do país, são distribuídos eqüitativamente para as idades mais pequenas da infância. Até os 13 anos de idade se prioriza a distribuição subsidiada de produtos complementares como o iogurte de soja e, em situações de desastre, se protege a infância mediante a entrega gratuita de alimentos de primeira necessidade.

As crianças incorporadas aos Círculos Infantis e às escolas primárias com regime de semi-internato recebem, além disso, o benefício do contínuo esforço por melhorar sua alimentação quanto à presença de componentes dietéticos, lácteos e protéicos. Com o apoio da produção agrícola – ainda enfrentando condições de severa seca – e a importação de alimentos, alcança-se um consumo de nutrientes acima das normas estabelecidas pela FAO. Em Cuba, esse indicador não é a média fictícia entre o consumo alimentar dos ricos e dos que passam fome.

Adicionalmente, o consumo social inclui a merenda escolar que é distribuída gratuitamente a centenas de milhares de estudantes e trabalhadores da educação, com cotas especiais de alimentos para crianças até 15 anos e pessoas de mais de 60 anos nas províncias do leste da ilha. Nesta relação, estão contempladas as grávidas, mães lactantes, anciãos e incapacitados, crianças com baixo peso e altura e o fornecimento de alimentos aos municípios de Pinar del Rio e Havana e também para a Ilha da Juventude. Essas regiões foram atingidas no ano passado por furacões, enquanto que as províncias de Holguín, Las Tunas e cinco municípios de Camaguey sofrem atualmente com a seca.

Esse esforço conta com a colaboração do Programa Mundial de Alimentos (PMA), que contribui para a melhoria do estado nutricional da população mais vulnerável da região oriental, beneficiando mais de 631 mil pessoas. A cooperação do PMA com Cuba data de 1963, quando essa agência ofereceu assistência imediata às vítimas do furacão Flora. Até hoje, já foram concretizados no país cinco projetos de desenvolvimento e 14 operações de emergência. Recentemente, Cuba passou de ser um país receptor a um país doador de ajuda.

O tema da desnutrição tem grande importância na campanha da ONU para atingir, em 2015, as Metas de Desenvolvimento do Milênio, adotada em uma cúpula de chefes de Estado em 2000 e que tem entre seus objetivos eliminar a pobreza extrema e a fome. A ONU considera que Cuba está na vanguarda do cumprimento dessas metas em matéria de desenvolvimento humano. Mesmo enfrentando deficiências, dificuldades e sérias limitações pelo bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos EUA há mais de quatro décadas, Cuba não mostra índices alarmantes de desnutrição infatil como ocorre em outros países. Nenhuma das 146 milhões de crianças menores de cinco anos com problemas de baixo peso, que vivem hoje no mundo, é cubana.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Fonte: CARTA MAIOR

13 dezembro 2009

Grandes corporações internacionais preparam salto tecnológico para apropriarem-se de toda Natureza





Estudo recém-lançado alerta sobre a concentração de empresas, transformação da natureza em “commodity” e chama a atenção sobre a resistência global baseada na Soberania Alimentar.

O Grupo ETC, baseado no Canadá, com 30 anos de companhamento do poder das grandes empresas e indústrias da chamada “ciência da vida” (“life science”), acaba de lançar um relatório de 48 páginas intitulado “A quem pertence a Natureza?” que reúne e analisa informações sobre a concentração empresarial na comercialização de alimentos, insumos agrícolas, saúde e o impulso estratégico que estão realizando para transformar em commodities os remanescentes recursos naturais do planeta.

Em um mundo onde pesquisa de mercado está tornando-se cada vez mais cara e de acesso exclusivo para seus financiadores, o relatório da ETC contribui para o exercício da cidadania ao publicizar gratuitamente nomes, mostrando a participação das empresas no mercado. Alinha, também, as dez mais da indústria e da cadeia alimentícia. Nem todas companhias identificadas pelo ETC são marcas conhecidas do consumidor, mas coletivamente controlam uma fantástica parcela dos produtos comerciais encontrados nas fazendas que produzem em escala comercial, nas nossas geladeiras e nas farmácias.

O relatório da ETC mostra que:

- De milhares de empresas e instituições públicas dedicadas à produção de sementes, que existiam três décadas atrás, hoje apenas dez companhias controlam mais de dois terços das vendas de sementes certificadas;
- De dezenas de companhias produtoras de pesticidas existentes três décadas atrás, agora temos apenas dez controlando quase 90% das vendas mundiais de agrotóxicos;
- Das quase mil companhias de biotecnologia que começaram a funcionar 15 anos atrás, dez agora respondem por três quartos do faturamento desse setor industrial;
- As dez maiores companhias farmacêuticas controlam 55% do mercado mundial de medicamentos.

Tendo como pano de fundo o colapso sistêmico do ambiente, do clima, dos alimentos e das finanças, “A quem pertence a Natureza” alerta que, com o “engenheiramento” de organismos vivos a uma nano escala (na chamada biologia sintética), a indústria está armando o palco para a apropriação de toda a Natureza pelas empresas.

“Aproximadamente um quarto da biomassa mundial já foi commoditizada”, informa Pat Mooney, do Grupo ETC. “Com a intensificação da pesquisa de engenharia genética, estamos presenciando novas estratégias corporativas para capturar e commoditizar os restantes três quartos da biomassa mundial que, até agora, ficaram fora da economia de mercado”, completa Mooney.

Fonte: observatorio do agronegocio, tradução de Maurício Galinkin

06 dezembro 2009

Resistência ao glifosato: pesadelo assombra produtores de soja transgênica




Por Alejandro Nadal *

Um fantasma percorre os campos do Chaco, norte da Argentina. Após meses de investigação e acaloradas disputas, confirmou-se a existência de uma variedade de sorgo (Sorghum halepense – também conhecido no Brasil como capim Massambará, Pasto Russo ou Erva de São João) resistente ao herbicida glifosato, na província de Salta. É o primeiro caso de uma variedade de sorgo resistente ao glifosato desde que esse herbicida começou a ser usado no mundo, há três décadas. A difusão desta erva daninha através das colheitadeiras que circulam por todos os lados após cada safra não é um bom augúrio.

A presença do sorgo resistente ao glifosato já foi reconhecida pelo principal organismo encarregado de vigiar as ervas daninhas resistentes a herbicidas (www.weedscience.org). Essa descoberta é um pesadelo que se tornou realidade para os produtores de soja transgênica. É também uma lição para a Sagarpa (organização mexicana de proteção fitossanitária), que acaba de autorizar ilegalmente as primeiras plantações experimentais de milho transgênico no México. É o primeiro passo no caminho para autorizar a plantação comercial e consolidar a liberação do milho geneticamente modificado no México, centro de origem deste cultivo de importância mundial.

Vamos por partes. O Sorghum halepense é uma das dez principais ervas daninhas que afetam a agricultura de climas temperados. É uma erva daninha perene, dotada de grande capacidade de reprodução e sobrevivência ao controle por meios mecânicos. A ironia é que em muitos países, incluindo a Argentina, foi introduzido como uma espécie forrageira, por sua alta produtividade e capacidade de adaptação. Em poucos anos, converteu-se em uma praga cujo combate com agentes químicos teve grandes custos para os agricultores e para a biodiversidade.

Na luta contra essa “erva daninha perfeita” vinha se usando o glifosato, herbicida de amplo espectro que destrói, em plantas superiores, a capacidade de sintetizar três aminoácidos essenciais. É o herbicida seletivo de maior venda no mundo e sua expansão acelerou-se com os cultivos transgênicos como os da soja Roundup Ready, da Monsanto, geneticamente modificada para aumentar sua resistência ao glifosato. Hoje, a soja transgênica é plantada em cerca de 18 milhões de hectares na Argentina. Esse cultivo transformou a paisagem rural do pampa, transtornando as relações sociais que permitiam a pequena agricultura e abrindo as portas para o agronegócio em grande escala. As exportações de soja são o principal sustento da política fiscal Argentina: 18% da receita fiscal total vêm do imposto sobre as vendas de soja ao exterior. Mas o colapso desta bolha da soja é uma questão de tempo. A aparição do sorgo resistente ao glifosato é só um aviso. A soja transgênica usa um pacote tecnológico de plantio direto (ou lavragem mínima), onde se deixa o mato cobrir a terra para protege-la da chuva e do vento. Isso reduz os riscos de erosão, mas deve ser acompanhado de um incremento no uso de herbicidas. Esse tipo de cultivo está associado a um crescimento espetacular do uso destes insumos: em apenas dez anos, o consumo de glifosato passou de 15 a 200 milhões de litros.

O resultado, no final do caminho, era de se esperar: cedo ou tarde, apareceriam espécies resistentes às estratégias desenhadas e implementadas por este modelo de agricultura comercial. Com a difusão do pacote tecnológico da soja transgênica, essa resistência apareceria mais rapidamente, pois o processo de co-evolução (que, no fundo, é o que rege esse fenômeno) iria se acelerando. É o que acontecerá também com o milho transgênico cujo plantio está sendo autorizado agora no México. A aparição de insetos resistentes à toxina produzida nos cultivos transgênicos Bt é uma questão de tempo.

Ainda não há registro de grandes populações resistentes à toxina Bt, mas em parte isso se deve à estratégia que consiste em deixar refúgios de plantas não transgênicas nas áreas plantadas. Nos Estados Unidos, essa prática tem sido acompanhada pelo uso complementar de inseticidas. Mas a advertência de ecólogos e agrônomos segue vigente: essas estratégias só retardam o processo de aparição de insetos resistentes ao Bt, não o detém. O cultivo de milho transgênico no México aumentará a probabilidade de surgimento de populações de insetos resistentes ao Bt em um menor espaço de tempo. Esse não é o único problema, mas o exemplo do sorgo na Argentina é um sinal que não devemos ignorar.

A trajetória tecnológica dos cultivos geneticamente modificados nos conduz a um beco sem saída. É claro que, para as empresas e seus cúmplices no governo, este é um bom instrumento para tornarem-se donas do campo, transformando-o em seu espaço de rentabilidade. Para a Sagarpa e o governo (falando aqui do caso mexicano) nada deve se interpor entre as companhias transnacionais e a rentabilidade, nem sequer a débil legislação sobre biossegurança que foi desenhada para servir aos interesses dessas mesmas empresas.

* Alejandro Nadal é economista, professor pesquisador do Centro de Estudos Econômicos, no Colégio do México. Colaborador do jornal La Jornada, onde este artigo foi publicado originalmente dia 20 de outubro.

Fonte: MST

04 dezembro 2009

"No agronegócio não existe essa questão de produção ecologicamente correta", diz coordenador da CPT



Por: Aldrey Riechel - 30/11/2009

O agronegócio visa somente o lucro e dificilmente irá ter uma real preocupação com as questões ambientais e relações de trabalho. A opinião é do Coordenador Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Dirceu Fumagalli, que participou da divulgação dos dados preliminares do relatório de conflitos do campo. A região Norte foi a que apresentou os maiores índices de assassinatos e trabalho escravo do País.

De janeiro a novembro deste ano, nove lideranças, posseiros, indígenas e sindicalistas foram assassinadas no Norte do Brasil, área onde também foram encontradas 83 pessoas que trabalhavam em situações análogas à de escravo no mesmo período. Embora ainda seja líder, a região apresentou uma queda nos números de assassinatos e de trabalho escravo, se comparado a 2008, quando os índices foram 12 e 111, respectivamente.

Fumagalli afirma que um dos principais geradores desses índices é o avanço do agronegócio em regiões como Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que faz com que outras culturas, como a pecuária, avancem sobre a floresta. Dessa forma, segundo ele, aumentam os conflitos pela terra entre os pecuaristas, madeireiros e agricultores e as populações tradicionais. Uma briga entre o "interesse do capital e a luta pela dos trabalhadores e trabalhadoras", como define.

Em entrevista ao site Amazonia.org.br, Fumagalli comenta a elaboração dos estudos de violência do campo e afirma que os dados podem ser ainda maiores. Segundo ele, a única solução para o enfrentamento do problema seria a reforma agrária, tendo em vista a necessidade de se reconhecer as terras tradicionalmente ocupadas e a desapropriação de latifúndios.

Confira abaixo a entrevista:


Amazonia.org.br - Como é realizado o levantamento de dados para a elaboração dos relatórios de violência no campo da CPT?

Fumagalli - A CPT está organizada em todas as unidades federativas, com exceção do Distrito Federal, onde temos os nossos agentes. Às vezes temos várias equipes em um núcleo regional e são eles que são nossos "catalisadores" de informações, além de termos um grupo de documentarista em Goiânia que coordenada todo esse departamento de documentação. Elas fazem toda a triagem diária de pelo menos 200 jornais ou boletins que circulam no território nacional.

É esse banco de dados que nós compilamos e sistematizamos anualmente, desde 1985. Temos esse banco de dados aqui em Goiânia na sede da CPT Nacional e todo final de ano publicamos um documento, que chamamos de Caderno de Conflitos do Brasil.

Amazonia.org.br - Existem muitos casos de violência contra os trabalhadores rurais que não são documentados pelos meios de comunicação. Você acredita que os números de violência podem ser maiores do que os que vocês apresentam?

Fumagalli - Com certeza. Não temos presença em todas as questões do território nacional. Seguramente a violência e o conflito no campo são maiores do que aquilo que nós sistematizamos.

Amazonia.org.br - Além de divulgarem para organizações, impressa e movimentos sociais, vocês costumam usar os dados para estimular a proposição de políticas públicas ou enviam para algum órgão do governo?

Fumagalli - O entendimento que nós temos é que quem tem que se apropriar dessa luta, dos mecanismos de organização, de pautar suas reivindicações são os próprios trabalhadores. Eles que têm que ser protagonistas das suas ações, diretamente ou por meio de suas organizações. A Comissão Pastoral da Terra não é uma organização representativa, é uma entidade de serviço.

O entendimento que temos é que, ao atualizar o banco de dados, fazermos algumas interpretações e análises e devolvemos isso para os protagonistas da ação do campo. Eles se encontram dentro do conflito e consequentemente buscarão, através de seus pares, formulação de políticas públicas ou enfrentamento daqueles que de fato devem enfrentar como o próprio agronegócio, no caso, e as reivindicações para o governo ou a pressão em cima daqueles de fato têm provocando conflitos.

Amazonia.org.br - Os números de pessoas assassinadas por conflitos no campo costuma ser maior na região Norte. Eu gostaria de saber sua opinião em relação a esse dado. Por que nessa região?

Fumagalli - Vários fatores. A CPT na verdade surgiu na região Norte, no Pará e depois se espalhou pelo território nacional rapidamente porque foi compreendido que o conflito do campo não é um "privilégio" da região. Infelizmente é uma realidade nacional.

Agora o que nós temos observado é que a pressão do modelo do agronegócio no centro-sul do país, onde o agronegócio tem mais voracidade e se apropriou da terra, pressiona outras culturas para que migrem. Principalmente a questão da pecuária nas áreas de fronteiras. Por isso que alguns estados, em especial os que estão mais na fronteira com o centro-oeste e fazem essa transição centro-oeste-norte é que são mais pressionados. Então por isso que o Pará, Rondônia e Tocantins, por assim dizer, são os três estados que fazem essa "entrada na região" onde nós sempre vamos encontrar uma incidência de violência maior.

É a pressão do modelo que faz com que a própria pecuária se expanda para a região, e para que haja espaço para a pecuária e todos os madeireiros, as comunidades tradicionais são pressionadas. Em conseqüência disso há reação e resistência: esse conflito entre o interesse do capital e a luta pela vida dos trabalhadores e trabalhadoras.

Amazonia.org.br - Neste relatório é possível perceber também um aumento significativo de todos os dados de conflitos no campo na região Sudeste, regiões que são mais conhecidas por suas cidades...

Fumagalli - E é estranho... quer dizer, deveria causar não só uma estranheza, mas uma indignação de nossa parte. O sudeste, tido como a região mais desenvolvida do país, é onde encontramos a maior concentração de conflitos e principalmente trabalho escravo. Não digo que isso é uma aberração, mas é no mínimo um alerta para a sociedade brasileira de que nós não podemos conviver pacificamente com essa situação, com a alta exploração e inclusive com a condição de trabalho escravo nos estados desenvolvidos como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Amazonia.org.br - Acha que isso é um indicador de que nossa produção não está caminhando para uma produção mais ecológica e socialmente justa?

Fumagalli - No agronegócio não existe essa questão de uma produção ecologicamente correta e nem justa nas relações trabalho. Ele visa o lucro. Por isso que, nessas regiões onde o agronegócio se consolidou e teve respaldo, inclusive de políticas de governo, consequentemente vamos encontrar o capital mais livre e, por causa da impunidade, nós não encontramos fazendeiros presos porque escravizaram, mesmo isso sendo um crime. Muito menos que perdem seus bens ou que sejam castigos por alguma questão. Essa impunidade no campo é que um dos grandes fatores que continua fomentando e gerando crimes e permitindo a pressão da violência no campo.

Amazonia.org.br - Acredita que existe algum caminho para diminuir reverter esse quadro e diminuir os índices de violência no campo?

Fumagalli - O caminho é a reforma agrária em primeiro lugar. Reforma agrária, no sentido da desapropriação dos latifúndios, reconhecimento dos territórios tradicionalmente apropriados pelas comunidades, tanto áreas indígenas, como os quilombolas, os territórios dos ribeirinhos. Temos que ter uma regularização fundiária e a desapropriação dos latifúndios. Se isso não ocorrer, os proprietários desse mecanismo vão continuar fazendo com que as terras cumpram um único objetivo: gerar lucro. E não gerar alimento ou um lugar para se viver, mas um lugar para se produzir, produzir lucro.

Fonte: Amazonia.org.br

02 dezembro 2009

Parlamentares de direita golpeiam MST

Por: Eron Bezerra*

“Primeiro eles vieram e levaram os comunistas; não protestei, afinal eu não era comunista; depois eles voltaram e levaram os sindicalistas; não me importei, o problema não era meu; .... quando, finalmente, eles chegaram para me levar eu não tinha sequer a quem pedir socorro”. Esse célebre poema do poeta alemão Berthold Brecht sintetiza, sem dúvidas, o sentimento e as preocupações que qualquer militante de esquerda deve expressar diante da CPI que a direita acaba de conseguir instalar no Congresso Nacional.

O propósito da direita não é investigar eventuais excessos e muito menos aprimorar as relações de produção no campo. Seu objetivo central é criminalizar os movimentos sociais como um todo. Como o ambiente democrático do país não comporta essa aberração, a tática adotada por eles foi a da “seletividade”. Concentraram os ataques sobre o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) e acabam de instalar a chamada “CPI do MST”. É bom não esquecer, porém, que eles já tentaram a “CPI da UNE”.

A tentativa de criminalizar as ações da UNE é auto-explicável. A quase centenária entidade estudantil brasileira é uma das mais importantes do mundo em sua área de atuação. Reúne, ademais, uma ampla coalizão de forças políticas e grande prestígio político. A direita sonhava em ver a UNE como instrumento de ataque ao governo Lula. A UNE, todavia, jamais se prestaria a ser instrumento da direita para inviabilizar um governo de centro esquerda. Diante disso a UNE virou alvo.

A “escolha” do MST também não é por acaso. A existência desse movimento não permite ao país esquecer que ele possui uma das mais graves concentrações de terra do mundo. Tudo que a direita e suas representações sociais (UDR, parlamentares que assinaram a CPI, etc.) querem esconder da sociedade.

Enquanto organizações como o MST, MCC, CONTAG, etc. existirem e atuarem a pauta da Reforma Agrária no Brasil não poderá ser colocada p’ra debaixo do tapete. Continuará rondando o latifúndio improdutivo. E isso é tudo que a direita não quer vê em debate.

Esse embate, portanto, está diretamente ligado a luta pela posse da terra. Os democratas e patriotas do Brasil devem denunciar, em todos os fóruns, mais essa tentativa de golpear os trabalhadores e criminalizar suas organizações.

Mas se a CPI efetivamente for instalada e prosperar, então devemos aproveitá-la para fazer uma radiografia da concentração de terras no Brasil, investigar a morte de milhares de trabalhadores vitimados pelo latifúndio e a forma fraudulenta como muita gente virou proprietário de terra, especialmente na Amazônia, sem nunca ter comprado um hectare de terra sequer.

Será um bom debate. Vejamos quem agüenta atravessar o rubicão.

*Engenheiro Agrônomo, Professor da UFAM, Deputado Estadual Licenciado, Secretário de Agricultura do Estado do Amazonas, Membro do CC do PCdoB.

Publicado originalmente no Vermelho

19 novembro 2009

Após voto favorável aos Xavante, TRF suspende julgamento sobre terra do povo


Foi suspenso ontem, 16 de novembro, o julgamento sobre a terra Maraiwatsede, após o voto do relator do processo, juiz federal Pedro Francisco da Silva, que foi favorável ao povo Xavante. Após o voto do relator, o desembargador João Batista Moreira pediu vista do processo e anunciou que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) retomará o julgamento do caso no início de 2010, quando ele apresentará seu voto.

Em sua decisão, Silva indeferiu os pedidos dos réus – fazendeiros e posseiros que ocupam a área indígena – e considerou válido o processo de demarcação da terra no norte do Mato Grosso. Os cerca de 40 Xavante que acompanharam o julgamento no TRF1 ficaram insatisfeitos com o adiamento da decisão, mas estão confiantes que a decisão final sobre o caso determinará a retirada dos ocupantes não índios da terra do povo, cuja demarcação foi homologada em 1998. Apesar da terra continuar invadida, em 2004, um grupo Xavante voltou para a Maraiwatsede, onde vivem cerca de 900 indígenas em uma única aldeia.

“O primeiro voto foi bom, mas a gente fica um pouco sem paciência, por que já tem muito tempo que a gente quer viver de novo na nossa terra. Os velhos queriam voltar para morrer lá, por isso voltamos. A terra é nossa. Dizem que não tinha Xavante lá. Isso é mentira. Eu nasci em Marairawtsede e fui levado de lá com meu pai, meus irmãos...” avalia o cacique Damião. Ele foi um dos 234 indígenas que foram transferidos de Maraiwatsede em 1966 para a terra São Marcos - também dos Xavante – no sudeste do Mato Groso. Uma semana após o deslocamento, em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), quase 70 Xavante já haviam morrido vítimas de sarampo - entre eles o pai de Damião.

Marco temporal e esbulho

No tribunal, os advogados de defesa dos fazendeiros e posseiros argumentaram que não havia indígenas na terra Maraiwatsede desde 1966. Dessa forma, considerando que a Constituição Federal determinaria a data de 5 de outubro de 1988 como marco temporal para a identificação da ocupação tradicional de terras indígenas, a terra Maraiwatesede não poderia ser demarcada.

Ao analisar este argumento, o juiz Pedro Francisco da Silva fez referência à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol. Considerando o acórdão do STF sobre este caso, Silva destacou que a questão central para o caso é saber se os Xavante estavam na terra em 1988 ou se não estavam por que foram retirados do lugar. Após considerar todos os documentos apresentados, o juiz concluiu que os Xavante foram “despojados de suas terras por Ariosto Riva e pelo Grupo Ometto” com o objetivo de expandirem a produção na chamada fazenda Suiá-Missu – que se instalou sobre a terra indígena. “Pode-se dizer que não havia indígenas em 1988, mas não se pode negar a verdade de que isso se deu por expulsão urdida pelos administradores da fazenda Suiá-Missu”, afirmou o juiz em seu voto.

Fonte: CIMI